sexta-feira, 3 de junho de 2011

O ipê-amarelo e o flamboyant - Sérgio Capparelli


O ipê-amarelo e o flamboyant
Quando floresceu pela primeira vez em julho passado, o ipê-amarelo estremeceu de alegria. Passou longo tempo se olhando no lago. Ele estava em dúvida se ele era ele mesmo, depois de tanta mudança. Era as primeira vez que suas flores se abriam.
Uma menina que passava disse para a sua amiga:
-Chegou a primavera!
O ipê ficou ainda mais espantado, ele sempre tinha estado ali e o nome dele era ipê e não primavera. Disse então para o flamboyant ao lado.
-Não sei o que me aconteceu. Fui dormir e acordei desse jeito.
-Aqui, na beira d’água, a gente fica sem entender o que acontece. Só posso dizer que suas flores são muito bonitas.
-Isso acontece com todo mundo?
-O quê? Ficar amarelo?
-Amarelo, vermelho, azul ou marrom, pouco importa.
-Não sei te dizer, sou fraco em botânica.
Os dois ficaram conversando durante um bom tempo. De vez em quando, com a desculpa da poeira trazida pelo vento, o ipê-amarelo se virava para o lado, para dar uma espiada na sua floração refletida no lago.
Entrou setembro.
O ipê viu um tapete amarelo no chão. E esse tapete era de flores. Suas flores. Outras flores amarelas boiavam no lago. Hibiscos, rosas e dálias.
A primavera devia chegar ao mesmo tempo em muitos lugares. Outras plantas tinham perdido as flores, como ele.
-Queria ser como você - disse o flamboyant ao ipê - mesmo tendo de perder as flores. Elas flutuam nas águas e se lembrem de onde nasceram, olhando para as margens. Eu ainda não tive a alegria de florescer.
A menina de antes pegou um flor de ipê e com ela enfeitou os cabelos:
-Esse flamboyant está que nem antes: sem flor nenhuma - comentou.
O jeito da menina falar era como uma crítica. Onde é que podia ter errado?, perguntou-se o flamboyant
Nesse momento, o flamboyant pegou uma dúvida no ar, trazida pela brisa. E se nunca florisse? No início tinha sentido uma ponta de inveja do ipê-amarelo, achando que no mundo vegetal uns nascem primaveras e outros, inverno.
Pouco mais de semana depois, o ipê-amarelo tinha deixado de ser amarelo e voltara a ser verde. E os hibiscos, rosas e dálias não flutuavam mais no lago. Mas apareceram, de repente, petúnias, orquídeas, bromélias, pernas-de-moça, topete-de-cardeal, extremosas e chuva-de-ouro. Murchas, a maior parte. Mesmo assim o flamboyant parecia contente.
-Acho que nós mudamos no mesmo tempo em que o tempo muda - ele concluiu.
Entrou novembro e com novembro o flamboyant entristeceu. Preferia levar a vida calado no seu canto.
A menina veio passando procurou no chão uma flor, não encontrou e disse:
-Novembro, e esse flamboyant não se decide! O calor está começando. Primavera, agora, só no ano que vem.
O flamboyant sentiu que ia desmaiar. Talvez por causa do calor.
Já o ipê-amarelo agitou-se. Se a primavera voltasse no próximo ano, ele iria florescer de novo.
O flamboyant, vendo o ipê-amarelo pensativo, achou que ele devia ter chegado à conclusão de que a vida se renovava todo ano. Mas por que ele não discutia essas coisas com ele?
No dia seguinte, bem de manhãzinha, o ipê ainda estava dormindo e o flamboyant levou um susto, ao ver o lago ensangüentado. Deu um grito, acordando o ipê. Só então percebeu, em volta dele, ratão-do-banhado, tartaruga, jararaca, zorrilho, cupinzeiro, pica-pau, rã, garça e até um casal de cisne da patagônia. Todos o contemplavam de um jeito muito tranqüilo e, ao mesmo tempo, maravilhados. Então o flamboyant olhou para o rio novamente.
Não era sangue. Era o vermelho de suas flores refletidas nas águas do lago.

Ilust. foto no portal da ilha de Reunião

2008-01-22 20:12:41
Fonte: http://www.capparelli.com.br/raposa.php

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